quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

“Construção social”

por Denes Martos




O lugar onde nascem as crianças
e morrem os homens, onde a
liberdade e o amor florescem,
não é uma oficina nem um comércio nem uma fábrica.
Aí vejo a importância da família.
Os que falam contra a família
não sabem o que fazem,
porque não sabem o que desfazem.

Gilbert K. Chesterton


Economizai as lágrimas de vossos filhos
a fim de que possam regar com elas vosso túmulo.

Pitágoras




A condição humana tem sido desde sempre um tema muito controverso. Desde a noção de que o homem “é a medida de todas as coisas” até a do “junco pensante”; desde o ser criado à imagem e semelhança de Deus até a noção darwinista de considerá-lo como um mamífero com poucos pelos no corpo e caminhar ereto – ou seja: um animal meio raro, porém animal enfim e não muito diferente de todos os demais animais – o ser humano considerou-se a si mesmo de maneiras muito diferentes.

Nisto, como em várias outras coisas, talvez o erro que cometemos muitas vezes tenha sido o de voar tão alto com nosso intelecto que nos esquecemos do básico e depois, quando as alturas intelectuais rapidamente nos causam vertigem, voltamos à terra firme, mas renegando aqueles cumes aos quais nos havia elevado nossa capacidade de filosofar. Pode ser porque, no fundo, nos dá vergonha o medo que sentimos da vertigem naquele momento. Ou porque, nesse voo, ás vezes acabamos nos chocando contra os picos escarpados do impossível e até do ridículo.

É curiosa essa tendência ao “pêndulo” que parecemos ter. Na política vamos de “direitas” a “esquerdas” de época em época; de períodos das mais férreas ditaduras e até tiranias, a períodos da mais selvagem demagogia com anarquias próximas do caos total. Na moda feminina vamos de épocas em que o moralismo burguês considerava despudorada a exibição do mais inocente tornozelo, a épocas em que a nudez ou quase nudez se convertem em algo tão cotidiano que o que termina chamando atenção é um vestido excepcionalmente elegante. No social, vamos desde uma organização familiar moralmente hipócrita na qual se perdoam ao homem todos os “deslizes” enquanto à mulher não se admite nem uma saída à rua sem companhia, até épocas em que as mulheres assumem a liderança e acabam considerando a seus maridos como algo apenas um pouco mais interessante e útil que um assistente de eletrodomésticos.

A todos estes comportamentos humanos – ou pelo menos a uma grande parte deles – a intelectualidade pós-moderna os classificou com o rótulo de “construções sociais”. Assim, nos sugere que o comportamento humano é formado por “criações” artificiais perfeitamente prescindíveis e arbitrárias, por vezes inclusive intercambiáveis, que podem ser livremente suplantadas por outras, já que o importante é “ser feliz” e cada um pode tentá-lo da sua maneira, como lhe der na telha, ou simplesmente como puder, dadas as circunstâncias. 

E isso é mentira.

Para além de modas passageiras, nossos comportamentos morais, políticos, sociais e familiares básicos normais não são nem inteiramente arbitrários nem determinados pelo capricho de alguém ou de alguns. O que acontece é que, para compreender isso, é preciso ao menos a intenção de entender a condição humana.

Para começar, o ser humano não é, por certo, somente um animal. Mas é também um animal. Honestamente, não creio que os darwinistas radicais consigam jamais provar sua teoria de que toda a vida sobre este planeta surgiu por casualidade de uma célula que por pura casualidade se formou em uma espécie de “sopa” primordial que – também por casualidade – adquiriu umas misteriosas propriedades que permitiram à Dona Casualidade fabricar isso que chamamos de ser vivo. São casualidades demais para o meu gosto. Qualquer analista de risco pode confirmar que a sorte é um fator importante, mas que tem seus limites; mesmo considerando a Teoria do Caos.

De modo que a teoria darwinista da evolução – na medida em que trata de explicar o fenômeno de toda a vida em geral – tem sérias dificuldades para se sustentar e, em última instância, é bastante óbvio que não é mais que o obstinado intento de prescindir de um Criador. Mas isso não quer dizer, de modo algum, que a evolução – como fenômeno particular e específico – não exista. Qualquer pecuarista e qualquer agricultor sabem e podem demonstrar que as espécies variam e evoluem. Posso não crer em absoluto que você e eu sejamos descendentes dessa mítica ameba ancestral surgida de um capricho do azar faz algo assim como uns 4000 milhões de anos, mas isso não significa que o elefante atual e o mamute não sejam filogeneticamente aparentados. A origem casual da vida é uma teoria – e nada mais que uma teoria – que, todavia, tem que ser demonstrada já que se baseia em puras suposições, deduções e especulações; porém a evolução das espécies é um fenômeno comprovado e demonstrado até pelos floricultores japoneses.

Creio que não faltam provas para demonstrar que o ser humano, entre muitas outras coisas, também é um mamífero. A questão é que, em sua condição como tal, se acha sujeito às mesmas leis evolutivas que qualquer outro ser vivo. E não é assim desde ontem, mas há pelo menos 200.000 anos como Homo Sapiens e muito provavelmente desde cerca de 5.000.000 de anos como espécie Homo. A consequência óbvia disto é que o comportamento natural e normal da espécie não é nenhuma “invenção” do capricho humano.

Por exemplo, a família normal com pai, mãe e filhos, com suas hierarquias e papéis específicos, não é invenção de nenhuma Igreja; a sociedade burguesa não a inventou, nem o Renascimento, nem a Idade Média, nem os romanos ou os gregos. De fato, não a inventaram nem sequer os egípcios, os babilônios ou os sumérios. A organização familiar típica é o produto de milhões de anos de evolução. E o é pela simples razão de que constitui a melhor organização para o cuidado e educação da descendência. Se não fosse – entre outras coisas – pela família tradicional solidamente constituída, nosso parente Homo não haveria nunca chegado a ser Sapiens e terminaria sendo extinto como os australopitecos.

Simplesmente, acontece que não é qualquer organização familiar ou social que garante a sobrevivência e a evolução da espécie. Não é qualquer “combinação” de pais e prole que proporciona à progênie o quadro adequado para o desenvolvimento pleno de suas faculdades e potencialidades. E tanto esse quadro adequado quanto o comportamento que se requer para constituí-lo e mantê-lo não podem ser caprichosamente alterados com o argumento infantil de que já não temos que viver em cavernas nem lidar com lobos, leões ou tigres de Bengala. Crer que, porque não estamos expostos aos mesmos perigos que o homem de Cro-magnon, podemos nos dar ao luxo de descartar comportamentos e formas de convivência otimizadas por milhões de anos de experiência real, não somente é perigoso. É diretamente suicida.

Nosso ambiente atual apresenta tantos ou mais riscos do que aquele em que o Cro-magnon de 43.000 anos atrás vivia. A única diferença é que esses riscos são distintos. E nem sequer estou muito seguro de que sejam menos perigosos porque, enquanto os do Cro-magnon eram principalmente físicos e podiam ser evitados ou superados por meio da habilidade, da astúcia ou da força física, os atuais são muito mais sutis e devem ser enfrentados com as capacidades superiores da mente humana. Em outras palavras: se me questionassem um pouco mais a fundo, chegaria a dizer que atualmente nossos filhos necessitam de uma família bem constituída inclusive muito mais do que os do homem das cavernas. Os perigos aos quais nossos filhos estão expostos são muito mais insidiosos, enganosos e traiçoeiros que um lobo, um leão ou um tigre de Bengala.

As normas de comportamento que são exigidas de homens e mulheres para constituir a família normal e natural não são nenhuma “construção social”. Isso de família tradicional como uma “construção social” é mentira. É uma mentira por trás da qual não há mais que hedonismo, terror de assumir responsabilidades e aversão visceral a aceitar papéis complementares e especializados. É uma mentira que visa apresentar como inofensivos os desvios e degenerações que a mutação produz apenas esporadicamente ao longo e através de todo o universo dos seres vivos. Não é uma mentira que vá contra o moralismo burguês. É uma mentira que tenta apagar a verdade de milhões de anos de evolução da espécie. 

E tentar apagar isso é algo tão fatídico quanto seria tentar apagar de nosso DNA todas aquelas características que nos fazem humanos.



Fonte: http://denesmartos.blogspot.com.br/2014/11/mandato-cultural.html

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