quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Contos e Iniciação

Por Mircea Eliade*


               
                  A coexistência, a contemporaneidade dos mitos e dos contos nas sociedades tradicionais, suscita um problema delicado mas não insolúvel. Pode-se pensar nas sociedades do Ocidente medieval, em que os místicos autênticos se encontravam submersos na massa dos simples crentes e mesmo misturados a alguns cristãos cuja falta de devoção chegara a um ponto tal, que não mais participavam do cristianismo, senão exteriormente. Uma religião é sempre vivida – ou aceita e suportada – em diversas gradações; mas, entre esses diferentes planos de experiência, há equivalência e homologação. A equivalência se mantém mesmo após a “banalização” da experiência religiosa, após a (aparente) dessacralização do mundo. (Para nos convencermos, basta analisar as valorizações profanas e científicas da “Natureza”, depois de Rousseau e da filosofia do iluminismo). Hoje, entretanto, reencontramos o comportamento religioso e as estruturas do sagrado – figuras divinas, gestos exemplares, etc. – nos níveis profundos da psique, no “inconsciente”, nos planos do onírico e do imaginário. 

                Isso suscita um outro problema, não mais de interesse do folclorista ou do etnólogo, mas que preocupa o historiador das religiões e que acabará por interessar o filósofo bem como, possivelmente, o crítico literário, pois também diz respeito, se bem que indiretamente, ao “nascimento da literatura”. Embora, no Ocidente, o conto maravilhoso se tenha convertido há muito tempo em literatura de diversão (para as crianças e os camponeses) ou de evasão (para os habitantes das cidades), ele ainda apresenta a estrutura de uma aventura infinitamente séria e responsável, pois se reduz, em suma, a um enredo iniciatório: nele reencontramos sempre as provas iniciatórias (lutas contra o monstro, obstáculos aparentemente insuperáveis, enigmas a serem solucionados, tarefas impossíveis, etc.), a descida ao Inferno ou a ascensão ao Céu (ou – o que vem a dar no mesmo – a morte e a ressurreição) e o casamento com a Princesa. É verdade, como justamente salientou Jan de Vries, que o conto sempre se conclui com um final feliz. Mas seu conteúdo propriamente dito refere-se a uma realidade terrivelmente séria: a iniciação, ou seja, a passagem, através de uma morte e ressurreição simbólicas, da ignorância e da imaturidade para a idade espiritual do adulto. A dificuldade está em determinar quando foi que o conto iniciou sua carreira de simples história maravilhosa, decantado de toda responsabilidade iniciatória. Não se exclui, ao menos para certas culturas, que isso se tenha produzido no momento em que a ideologia e os ritos tradicionais de iniciação estavam em vias de cair em desuso e em que se podia “contar” impunemente aquilo que outrora exigia o maior segredo. Não é de todo certo, entretanto, que esse processo tenha sido geral. Em grande número de culturas primitivas, nas quais os ritos de iniciação permanecem vivos, as histórias de estrutura iniciatória são igualmente contadas, e o vem sendo há longo tempo. 

                Poder-se-ia quase dizer que o conto repete, em outro plano e através de outros meios, o enredo iniciatório exemplar. O conto reata e prolonga a “iniciação” ao nível do imaginário. Se ele representa um divertimento ou uma evasão, é apenas para a consciência banalizada e, particularmente, para a consciência do homem moderno; na psique profunda, os enredos iniciatórios conservam sua seriedade e continuam a transmitir sua mensagem, a produzir mutações. Sem se dar conta e acreditando estar se divertindo ou se evadindo, o homem das sociedades modernas ainda se beneficia dessa iniciação imaginária proporcionada pelos contos. Caberia então indagar se o conto maravilhoso não se converteu muito cedo em um “duplo fácil” do mito e do rito iniciatórios, se ele não teve o papel de reatualizar as “provas iniciatórias” ao nível do imaginário e do onírico. Esse ponto de vista surpreenderá somente aqueles que consideram a iniciação um comportamento exclusivo do homem das sociedades tradicionais. Começamos hoje a compreender que o que se denomina “iniciação” coexiste com a condição humana, que toda existência é composta de uma série ininterrupta de “provas”, “mortes” e “ressurreições”, sejam quais forem os termos de que se serve a linguagem moderna para traduzir essas experiências (originalmente religiosas).



*Trecho retirado do livro Mito e Realidade, Apêndice I, “Os Mitos e os Contos de Fadas”.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

As guerreiras da Asgarda


guerreras de asgarda 3

Katerina Tarnovska é uma professora de pré-escola ucraniana, uma campeã mundial de kickboxing e ela ainda se declara descendente das lendárias amazonas. Em 2002, ela fundou a Asgarda, uma arte marcial exclusivamente para mulheres inspirada nas tradições tribais das amazonas citas. Na década passada, mais de mil mulheres foram encarregadas de difundir os ensinamentos da Asgarda, que Katerina diz ser o único estilo de luta especificamente desenvolvido para a forma feminina.
A influência de Katerina vai muito além de ensinar as mulheres a transformar seus corpos em armas mortais. Ela já escreveu vários livros instrucionais sobre a Asgarda, compôs incontáveis músicas folclóricas com temática amazona e produziu vídeos de aeróbica nos quais ela, que tem 34 anos, parece uma mistura de Jane Fonda e Tank Girl, se exercita ao som de uma versão ucraniana do Rammstein.
Recentemente, eu me juntei a uma das sessões de treinamento da Asgarda nas Montanhas Cárpatos, que são mais ou menos como acampamentos de verão só para garotas, mas com aulas nas quais as meninas aprendem a usar sabres, machados e citas em vez de fazer artesanato. Antes de encontrar Katerina, eu imaginei que a gente discutiria principalmente como é ser uma mulher na sociedade patriarcal ucraniana — o parlamento do país é 90% masculino e a violência doméstica é um grande problema. Mas ela estava mais inclinada a falar sobre como ganhar o coração de um guerreiro, algo fundamental para realizar seu estranho plano nacionalista de começar uma nova geração de guerreiros ucranianos.
Entrevistadora: Como a Asgarda começou?

Katerina Tarnovska (Asgarda): Quando descobri que as amazonas existiram em nosso território, cheguei à conclusão de que o espírito delas tinha sido passado geneticamente para as mulheres ucranianas. Foi o espírito com o qual nasci. A casta guerreira ucraniana foi destruída, pouco restou disso. E o renascimento da casta depende da capacidade das mulheres em criar garotos que venham a se tornar guerreiros. Foi dessa ideia que se formou a Asgarda. Como uma pessoa envolvida profissionalmente em artes marciais, esse era meu caminho, o caminho do guerreiro.
Mas as amazonas não odiavam os homens e queriam matá-los?

Não. Homens que tinham medo delas, especificamente os gregos antigos, escreveram esses mitos sobre mulheres cruéis porque as amazonas com frequência lutavam contra eles, e alguns mitos dizem que os gregos perderam. Indo até a fonte histórica, você vai descobrir que as amazonas amavam os homens, se casavam e tinham filhos com os citas. Eu posso dizer, com confiança, que sou uma amazona, e que isso não me impede de me apaixonar e ter filhos.
Você diria que a Asgarda é um movimento que visa dar poder às mulheres?

Sim. É importante para homens e mulheres se aceitarem em bases iguais, mas isso não significa que somos a mesma coisa. A Asgarda é uma plataforma para desenvolver as garotas de maneira harmoniosa por meio das artes marciais e fortalecer a posição delas dentro da sociedade, assim, elas podem se realizar dentro de suas famílias, negócios ou da política; no entanto, em casa com seu marido, uma mulher tem que ser uma mulher.

O que isso quer dizer?

Na sociedade, você conquista coisas para si mesma, mas na família, o desafio é encontrar nossa força na tolerância e no amor. Nos relacionamentos, a mulher tem um papel muito importante. Quando ela está com seu marido, ela precisa fazer ele se sentir como um homem. Assim não haverá nenhum problema.
E como você faz um cara se sentir homem?

Primeiro, você o encanta e ele quer ficar com você porque vê uma rainha. Mas como os cavaleiros de verdade, os homens querem conquistar, vencer. Você precisa fazer o homem sentir que conquistou você. Então, primeiramente, você precisa dar essa sensação a ele e continuar com isso de tempos em tempos. Segundo, você não pode deixar o homem ficar muito confortável, porque assim que ele começa a te considerar como ganha, ele vai querer conquistar outra rainha. Então, a mulher deve permanecer sempre como uma rainha, estar constantemente encantando seu homem e lembrando que ele precisa conquistá-la. Somente a mulher pode alcançar esse equilíbrio, um homem é incapaz disso.
Isso não significa colocar toda a responsabilidade por um relacionamento saudável sobre a mulher?

Olhe, é assim que mulheres fortes como nós vão conquistar um guerreiro. Esse equilíbrio funciona. Hoje, as mulheres em geral entendem isso errado. Elas querem impressionar seus parceiros e, às vezes, competir com eles, mas isso faz o homem se sentir fraco. Obviamente, há homens que não querem conquistar, mas eles vão querer uma rata, não uma guerreira.
Muitas mulheres podem achar esse tipo de dinâmica fora de moda e injusta.

Desde os tempos antigos o homem tem sido o caçador, o guerreiro que conquista e sustenta o lar, e a mulher tem sido a defensora da família e a pessoa no comando da casa. Ela cria todo o amor na família para que as crianças possam se desenvolver e para que o homem possa progredir e trazer os troféus conquistados pelo mundo para casa. Isso dá a ela a oportunidade de se desenvolver. Porque quando um homem vai caçar, a mulher não precisa se preocupar em como alimentar a família. O mundo foi criado assim e é preciso viver com as leis da natureza. Se formos contra as leis, vamos sofrer.
Mas agora temos supermercados e não vivemos mais em cavernas...

Toda mulher forte é, no entanto, uma mulher. É algo que você nunca pode esquecer. É algo para se alegrar e desenvolver juntamente com suas forças. Levou muito tempo para que eu entendesse a frase “A força da mulher é sua fraqueza”. Sim, sou uma mulher forte. Sim, eu treino. Sim, eu luto. Sou uma excelente organizadora. Sou uma boa líder e uma pessoa que já leu muito. Mas num relacionamento, eu vou mostrar minha fraqueza.
Você é casada?

Eu era, mas agora sou divorciada. Ele não conseguiu lidar com minhas aspirações de me tornar uma campeã mundial de kickboxing. Mas isso era meu sonho desde a infância, então, precisei fazer uma escolha. Você precisa encontrar um homem mais forte do que você, porque só assim ele saberá lidar com suas ambições. Preciso de um homem muito forte, o que é difícil de encontrar. Mas tenho confiança de que o amor vai cruzar meu caminho de novo.
Se você tivesse um namorado e vocês dois tivessem uma luta, quem venceria?

Eu venceria. Se ele me amasse, ele me deixaria ganhar.
Você se incomoda com a taxa de desemprego tão alta entre as mulheres ucranianas?

A razão para o alto desemprego das mulheres é porque muitas fábricas fecharam e os trabalhos que restaram exigem força física, então, é mais fácil para os homens conseguir empregos. Ainda assim, acho que se uma mulher quer realizar seu potencial, ela sempre tem a habilidade para fazer isso. Todas as minhas amigas trabalham.
A Ucrânia também tem uma taxa aterrorizante de abuso contra mulheres. É por isso que você ensina autodefesa a essas garotas?

Quando os homens não conseguem se realizar, eles bebem muito, o que leva à violência doméstica. O alcoolismo é um problema grave na Ucrânia. Sim, se defender nas ruas e em casa contra agressões é importante. Quando minhas garotas da Asgarda completam 14 anos, conversamos sobre como um homem deve ser, treinamos elas para ver se o garoto de que gostam é um homem ou só uma pessoa do sexo masculino.
Como você sabe que um homem é um homem de verdade?

Uma pessoa do sexo masculino é egoísta e não consegue completar sua missão masculina fora a parte sexual. Um homem de verdade tem uma missão; ele precisa saber como ganhar dinheiro para sustentar sua família e defender a honra dela. Mais importante, ele precisa ter um estilo de vida saudável. Quando as garotas fazem 18 anos e começam a gostar de um cara, eu faço a elas uma pergunta simples: você quer apenas fazer sexo com ele por satisfação física ou você quer que seus filhos tenham os genes desse cara? Quando elas respondem, isso se torna algo simples. A Asgarda treina guerreiras para restaurar a casta dos guerreiros na Ucrânia, logo, as garotas precisam saber com que tipo de homem elas devem casar e ter filhos.
Por que restaurar a casta dos guerreiros é tão importante para você?

Se você não ama e não quer defender seu país, a próxima geração não vai ter orgulho de suas origens e vai querer ir embora em vez de ficar e fazer o país florescer. O amor de uma pessoa por seu país é passado através do leite materno.
Você se considera uma feminista?

Aqui eu preciso perguntar o que você quer dizer com feminista. Em nosso país, entendemos que o feminismo acredita que as mulheres são completamente independentes e que a influência dos homens é negativa.
Para mim, feminismo significa que homens e mulheres devem ter direitos iguais. O que você descreveu é o que eu chamaria de feminismo radical.

Se o feminismo visa defender a posição da mulher na sociedade, então sou feminista. Mas se o feminismo significa que as mulheres são os seres mais fortes e que devem se voltar contra os homens, então não, não sou feminista. Acredito na ordem natural das coisas. A missão da mulher é ter filhos.
Mas e se você não quiser ser mãe? E se houver muitas outras coisas importantes para você, como a carreira e a liberdade pessoal?

Para ter uma vida saudável e feliz, uma mulher precisa atingir algo por si mesma primeiro, claro. A autorrealização é importante. A mulher só estará pronta para a vida em família quando atingir seu pleno desenvolvimento pessoal, só então ela será capaz de passar sua sabedoria para os filhos.
FONTE: VICE

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

O Desenvolvimento Cerebral das Crianças é Ameaçado Pelos Químicos Industriais

A ameaça de produtos químicos industriais para o desenvolvimento neurológico das crianças, desde a etapa de gestação, dobrou nos últimos anos.

Um grupo de cientistas das universidades do Sul da Dinamarca, Harvard e do Hospital Mount Sinai, já haviam identificado em 2006 cinco produtos químicos industriais que podem afetar o cérebro: chumbo, metil mercúrio, bifenilos policlorados (encontrados em transformadores elétricos, motores e condensadores), arsênio (encontrada no solo e na água, bem como nos conservantes de madeira e pesticidas) e tolueno (usado no processamento da gasolina, bem como em solventes de tintas, esmaltes e bronzeadores), de acordo com a revista “Health Land”.

Ao revisar os estudos anteriores, os pesquisadores agora somaram outras substâncias perigosas, como o manganês, o flúor, clorpirifós, diclorodifeniltricloroetano (DDT), tetracloroetileno, éteres e difenil-polibromados.

O manganês, eles explicam, encontra-se na água e pode afetar o desempenho de crianças em matérias como a matemática ou causar hiperatividade elevada, enquanto que a exposição a altos níveis de flúor na água potável podem contribuir para uma queda média de sete pontos no QI. Os produtos químicos restantes, que se encontram em solventes e pesticidas, estão relacionados aos déficits no desenvolvimento social e no aumento das condutas agressivas.

Segundo os cientistas, o problema fundamental reside na suposição de que novos produtos químicos e novas tecnologias “são seguros até que se prove o contrário”, por isso apelam às autoridades para investigar minuciosamente os efeitos associados à exposição a essas substâncias.

Via RT

domingo, 16 de fevereiro de 2014

“Nós vivemos na Era do Fim” – Uma entrevista com Dari Dugina

O Open Revolt tem muito prazer em apresentar uma conversa entre Dari Dugina da União da Juventude Eurasiana e nosso colaborador James Porazzo.

Dari, a filha de Alexander Dugin, além de seu trabalho na União da Juventude Eurasiana, dirige o projeto “Europa Alternativa” para o Global Revolutionary Alliance.

            Dari, você é uma Eurasianista da segunda geração, filha do nosso mais importante pensador e líder, Alexander Dugin. Você se importa em dividir conosco os seus pensamentos sobre ser uma jovem militante nessa altura da Kali Yuga?

            Nós vivemos na era do fim – este é o fim da cultura, da filosofia, da política, da ideologia. Este é o tempo sem movimento real; a sombria profecia de Fukuyama sobre o “fim da história” torna-se uma espécie de realidade. Essa é a essência da Modernidade, da Kali Yuga. Nós estamos vivendo no momento do Finis Mundi. A chegada do Anticristo está nessa agenda. A noite exaustiva e profunda é o reino da quantidade, mascarado por conceitos tentadores como o Rizoma de Gilles Deleuze: os pedaços do Sujeito moderno se transformam na “presidenta” do filme “Tokyo Gore Police” (filme pós-moderno japonês) – o indivíduo do paradigma moderno se transforma nos pedaços do divíduo. “Deus está morto” e seu lugar é ocupado pelos fragmentos do indivíduo. Mas se nós fizermos uma análise política, vamos descobrir que essa nova condição do mundo é o projeto do liberalismo. As ideias extravagantes de Foucault, aparentemente revolucionárias em seu pathos, depois de uma análise mais escrupulosa mostram sua base conformista e (secretamente) liberal, que vai contra a hierarquia tradicional de valores, estabelecendo uma “nova ordem” pervertida na qual o topo é ocupado pelo indivíduo que cultua a si mesmo em sua decadência atomista. É difícil lutar contra a modernidade, mas certamente é insuportável viver nela – concordar com esse estado de coisas onde todos os sistemas estão transfigurados e os valores tradicionais tornaram-se uma paródia, purgados e ridicularizados em todas as esferas de controle sob os paradigmas modernos. Este é o reino da hegemonia cultural. E esse estado do mundo nos incomoda. Lutamos contra ele – pela ordem divina, pela hierarquia ideal. No mundo moderno o sistema de castas está completamente esquecido e transformado em uma paródia. Mas ele tem um ponto fundamental. Na república de Platão – lá está um pensamento muito interessante e importante: as castas e a hierarquia vertical na política são simplesmente o reflexo do mundo das ideias e do bem superior. Este modelo de política manifesta os princípios metafísicos básicos do mundo normal (espiritual). Com a destruição do sistema primordial de castas na sociedade, a dignidade do ser divino e sua Ordem são negadas. Renunciando ao sistema de castas e à ordem tradicional, brilhantemente descritos por Dumézil, nós prejudicamos a hierarquia de nossa alma. Nossa alma nada mais é do que o sistema de castas com uma ampla harmonia de justiça que une as três partes da alma (a filosófica – o intelecto, o guardião – a vontade, e os comerciantes – o desejo). Lutando pela tradição nós estamos lutando por nossa profunda natureza como criaturas humanas. O homem não é algo dado – ele é o objetivo. E nós estamos lutando pela verdade da natureza humana (ser humano é buscar a sobrehumanidade). Isto pode ser chamado guerra santa.

            O que a Quarta Teoria Política significa para você?

            Ela é a luz da verdade, de algo raramente autêntico nos tempos pós-modernos. É a ênfase correta nos graus da existência – os acordes naturais das leis do mundo. Ela é algo que cresce sobre as ruínas da experiência humana. Não pode haver sucesso sem as primeiras tentativas – todas as ideologias passadas continham em si mesmas aquilo que causou seu fracasso.

            A Quarta Teoria Política – este é o projeto das melhores partes da ordem divina que podem se manifestar em nosso mundo – do liberalismo tomamos a ideia de democracia (mas não em seu significado moderno) e liberdade no sentido evoliano; do comunismo aceitamos a ideia de solidariedade, anticapitalismo, anti-individualismo e a ideia de coletivismo; do fascismo tomamos o conceito de hierarquia vertical e a vontade de poder – o código heroico do guerreiro Indo-europeu.

            Todas estas ideologias passadas sofreram de graves deficiências – democracia com o acréscimo de liberalismo virou tirania (o pior tipo de regime segundo Platão), o comunismo defendeu um mundo tecnocêntrico sem tradições nem origens, o fascismo seguiu uma orientação geopolítica errada e o seu racismo era Ocidental, Moderno, liberal e antitradicional.

            A Quarta Teoria Política é a transgressão global destes defeitos – o desenho final da história futura (e em aberto). É o único caminho para defender a verdade.

            Para nós, a verdade é o mundo multipolar, a florescente variedade de diferentes culturas e tradições.

            Nós somos contra o racismo, contra o racismo cultural e estratégico da civilização ocidental moderna dos Estados Unidos, que é perfeitamente descrita pelo professor John M. Hobson em “A concepção Europocêntrica da política mundial”. O racismo estrutural (aberto ou subliminar) destrói a encantadora complexidade das sociedades humanas – primitivas ou complexas.

            Você encontra desafios específicos em ser tanto uma jovem mulher quanto uma ativista nessa época?

                Essa guerra espiritual contra o mundo (pós) moderno me dá a força para viver.

            Eu sei que estou lutando contra a hegemonia do mal pela verdade da Tradição eterna. Ela está obscurecida agora, não completamente perdida. Sem ela nada poderia existir.

            Eu penso que ambos os gêneros e qualquer idade têm suas formas de acessar a Tradição e seus modos de desafiar a Modernidade.

            Minha prática existencial é abdicar da maioria dos valores da juventude globalista. Eu penso que precisamos ser diferentes desse lixo. Não acredito em coisa moderna alguma. A Modernidade está sempre errada.

            Eu considero o amor uma forma de iniciação e realização espiritual. E a família deve ser a união de pessoas espiritualmente similares.

            Além do seu pai, obviamente, quais outros autores você sugeriria aos jovens militantes que queiram aprender mais sobre nossas ideias?

            Eu recomendo que se familiarizem com os livros de René Guenón, Julius Evola, Jean Parvulesco, Henri Corbin, Claudio Mutti, Sheikh Imran Nazar Hosein (tradicionalismo); Platão, Proclo, Schelling, Nietzsche, Martin Heidegger, E. Cioran (filosofia); Carl Schmitt, Alain de Benoist, Alain Soral (política); John M. Hobson, Fabio Petito (Relações Internacionais); Gilbert Durand, G. Dumézil (sociologia). O kit básico de leitura para nossa revolução intelectual e política.

            Você passou agora algum tempo vivendo na Europa Ocidental. Como você compararia o estado do Oeste ao do Leste, depois dessa experiência em primeira mão?

            De fato, antes da minha chegada à Europa eu pensava que esta civilização estava absolutamente morta e que nenhuma revolta seria possível lá. Eu comparava a Europa moderna liberal à alguém atolado em um pântano, sem possiblidade de protesto contra a hegemonia do liberalismo.

            Lendo a imprensa estrangeira européia, vendo os artigos com títulos como “Putin – o satã da Rússia” / “a vida luxuosa do pobre presidente Putin” / “Pussy Riot – as grandes mártires da apodrecida Rússia” – essa ideia estava quase confirmada. Mas depois de algum tempo eu encontrei alguns grupos políticos antiglobalistas e movimentos da França – como o Égalité & Réconciliation, Engarda, Fils de France, etc – e tudo mudou.

            Os pântanos da Europa se converteram em algo mais – com a possibilidade oculta de revolta. Eu encontrei a “outra Europa”, o “alternativo” Império oculto, o pólo geopolítico secreto.

             A verdadeira Europa secreta devia ser despertada para lutar e destruir sua réplica liberal.

          Agora eu estou absolutamente certa de que existem duas Europas, absolutamente diferentes – a liberal e decadente Europa Atlantista e a Europa alternativa (antiglobalista, antiliberal, orientada à Eurásia).

         Guenón escreveu em “A Crise do Mundo Moderno” que nós devemos distinguir entre ser antimoderno e ser antiocidental. Ser contra a modernidade é ajudar o Ocidente em sua luta contra a Modernidade, a qual é construída sobre códigos liberais. A Europa tem sua própria cultura fundamental (eu recomendo o livro de Alain de Benoist – “As tradições da Europa”). Então eu encontrei essa Europa alternativa, secreta, poderosa, Tradicionalista e eu coloco as minhas esperanças em seus guardiões secretos.

            Em outubro nós organizamos com o Égalité & Réconciliation uma conferência em Bordeaux com Alexander Dugin e Christian Bouchet, a sala era enorme e mesmo assim os lugares não foram suficientes para todos os que queriam assistir a essa conferência.

            Isso mostra que algo está começando a se mover...

            A respeito de minhas opiniões sobre a Rússia – eu tenho notado que a maior parte dos europeus não confia nas informações da mídia – e o interesse pela Rússia vem crescendo – vê-se pelo modo como aprendem Russo, assistem a filmes soviéticos e muitos europeus entendem que a mídia da Europa está totalmente influenciada pelo Leviatã hegemônico, a máquina de mentiras globalista e liberal.

            Então as sementes do protesto estão no solo, com o tempo elas vão brotar, destruindo a “sociedade do espetáculo”.

            Sua família inteira é uma grande inspiração cá para nós do Open Revolt e do New Resistance. Você tem uma mensagem para os seus amigos e camaradas na América do Norte?

            Eu realmente não posso deixar de admirar seu trabalho revolucionário intensivo! A maneira pela qual vocês estão trabalhando – através dos meios de comunicação – é a forma de matar o inimigo “por seu próprio veneno”, usando a estratégia da guerra de redes. Evola falou sobre isso em seu excelente livro “Cavalgar o Tigre”.

            Uomo differenzziato é alguém que permanece no centro da civilização moderna, mas não a aceita no império interior de sua alma heroica. Ele pode usar os meios e armas da modernidade para causar uma ferida mortal ao reino da quantidade e seus golems.

            Eu posso compreender que a situação nos EUA agora é difícil de suportar. É o centro do inferno, mas Hölderlin escreveu que o herói deve lançar-se ao abismo, no coração da noite e assim conquistar a escuridão.

            Algum pensamento que você gostaria de compartilhar como encerramento?

            Estudando na faculdade de filosofia e trabalhando com Platão e o neoplatonismo, eu posso perceber que a política não é nada além da manifestação dos princípios metafísicos básicos que repousam no fundamento do ser.

            Ao fazer a guerra política pela Quarta Teoria Política, nós também estamos estabelecendo a ordem metafísica – manifestando-a no mundo material.

        Nossa batalha não é apenas pelo estado ideal humano – ela é também a guerra santa para o restabelecimento da ontologia correta.


Fonte: Open Revolt

Do sublime ao ridículo: um passo apenas

Por Evita Perón.


XLVIII



Confesso que no dia em que se abriu diante de mim a possibilidade do "caminho feminista", experimentei um pouco de mêdo. Que poderia fazer eu, mulher do povo, onde outras mulheres, mais preparadas, tinham fracassado fragorosamente? Cair no ridículo? Engrossar a falange de mulheres ressentidas com a mulher e com o homem, como tem acontecido com inúmeras líderes feministas?

Por outra parte, não era solteira, velha nem desgraciosa, para ocupar um lugar assim, que, desde que se tem memória, pertence por direito próprio, desde as feministas inglêsas clássicas, até às destas latitudes,
a mulheres dêsse tipo, mulheres cuja primeira vocação foi, decerto, a de serem homens. Tais eram, tais saíram os movimentos por elas orientados!

Primava nelas, antes o despeito de não terem nascido homens, do que o orgulho de se sentirem mulheres.
Acreditavam ser uma injustiça haverem nascido mulheres. Ressentidas com as mulheres, porque não queriam deixar de o ser, e ressentidas com os homens porque não lhes consentiam ser como êles, as "feministas", a imensa maioria das feministas do mundo, até onde as conheço, constituíram um raro espécime de mulher que não me pareceu nunca totalmente mulher! De modo algum aceitava parecer-me com elas.

O General deu-me a explicação de que precisava: "Então não vês que essas mulheres erraram o caminho? Querem ser homens. Tal como se eu, para salvar os trabalhadores, houvesse pretendido fazer deles oligarcas. Teria ficado sem operários! E mais, não teria conseguido com isso melhorar em nada a oligarquia. Não vês que essa classe de "feministas" renega a mulher? Algumas nem sequer se pintam. Qual! Isso é coisa de mulheres! Aspiram a masculinizar-se. E se do que o mundo necessita é de um movimento político e social feminino, que poderá lucrar com mulheres que pretendem salvá-lo, imitando os homens? Nós já fizemos muitas atrapalhações, tantas, que não sei ainda se o mundo terá consêrto. Talvez a mulher possa salvá-lo, desde que não nos imite..."

Tenho sempre presente à memória aquela lição do General.
Nunca, como então, parece-me tão claro e luminoso o seu pensamento.
Era exatamente isso o que eu sentia.
Sentia que o movimento feminino no meu país e no mundo inteiro estava fadado a cumprir uma missão sublime. E o mau era que tudo quanto conhecia acêrca de feminismo se me antolhava ridículo. Isso porque feminismo, liderado não por mulheres mas por marimachos que aspirando a ser homens, nada tinham de mulheres, dera o passo que vai do sublime ao ridículo!
O passo que eu tratei de não dar jamais!



IN: A razão de minha vida.